Na revista Camões, n.OS 2/3 (Ed. Caminho, Set. a Dez. de 1980), editada no âmbito das comemorações do 4.º Centenário da Morte de Camões, Baptista-Bastos publicou uma “entrevista” imaginária em que as respostas às perguntas feitas são versos de poemas de Luís de Camões.
A título de exemplo segue-se um pequeno excerto:
— Camões, você parece ser um homem triste.
— Tudo passei; mas tenho tão presente / A grande dor das cousas que passaram / Que as magoadas iras me ensinaram / A não querer já nunca ser contente.
(Do soneto “Erros meus, má fortuna, amor ardente”)
— Pode definir o amor, você, que foi a ele dado?
— Amor é um fogo que arde sem se ver; / É ferida que dói e não se sente; / É um contentamento descontente; / É dor que desatina sem doer. / É um não querer mais que bem querer; / É um andar solitário entre a gente.
(Do soneto “Amor é um fogo que arde sem se ver”)
— A sua vida foi, portanto, difícil?
— Em prisões baixas fui um tempo atado, / Vergonhoso castigo de meus erros; / lnda agora arrojando levo os ferros, / Que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado. / Sacrifiquei a vida a meu cuidado, / Que Amor não quer cordeiros nem bezerros; / Vi mágoas, vi misérias, vi desterros, / Parece que estava assi ordenado.
(Do soneto “Em prisões baixas fui um tempo atado”)
— Mas acredita na permanente transformação das coisas, na transformação do Mundo?
— Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança; / Todo o Mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades.
(Do soneto “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”)
— No entanto, você, Camões, parece um homem preocupado.
— Tanto de meu estado me acho incerto, / Que em vivo ardor tremendo estou de frio; / Sem causa, juntamente choro e rio; / O mundo todo abarco e nada aperto. / É tudo quanto sinto um desconcerto; / Da alma um fogo me sai, da vista um rio; / Agora espero, agora desconfio, / Agora desvario, agora acerto.
(Do soneto “Tanto de meu estado me acho incerto”)